O ‘Giro’ das Sete Igrejas de Roma

Peregrinar é rezar com os pés. Os jovens têm boa pedalada e apreciam os ares das montanhas e vales como pretexto para mais saúde física, para espairecer a cabeça e para acrescentar Espiritualidade às suas vidas. Por isso, caminhos como os que levam a Fátima e a Santiago são muito percorridos pelas novas gerações. Mas proponho este mês uma Peregrinação original e diferente.

 

Roma, do séc. XVI ao séc.XXI

 

‘Era uma vez, em 1553, um homem chamado Filipe de Néri… assim poderia começar a história da Peregrinação às Sete Igrejas de Roma, que marca a Quaresma desta Cidade Eterna.

Cinco séculos depois, pus-me a caminho com alguns colegas Espiritanos Não precisamos de app’s de telemóvel porque os cerca de 27 kms da peregrinação estão bem registados na nossa cabeça. Começamos na Basílica de S. Pedro e ultrapassamos as muralhas da cidade e avançamos para a segunda Igreja, a Basílica de S. Paulo fora dos Muros, construída sobre o lugar onde está sepultado este missionário de elite. Num longo percurso, começamos por passar junto à prisão onde, no primeiro ano de pontificado, o Papa Francisco lavou os pés a uma reclusa em Quinta-Feira Santa. Depois, atravessando as ruas estreitas do Trastevere, paramos para uma curta oração na Igreja de Santa Maria, aos cuidados pastorais da Comunidade de Santo Egídio. Atravessamos o rio, chegamos a S. Paulo, na Via Ostiense. Ali paramos e rezamos, como o faríamos em todas as Igrejas.

 

O caminho das Catacumbas

 

O ‘Giro’ continuou através de um percurso antigo que se chama mesmo ‘Via delle Sete Chiese’, para que não restassem dúvidas. Um longo caminho, quase sempre em contexto rural, passando por três das Catacumbas mais famosas: Santa Domitilla, S. Sebastião e S. Calisto. Estes ‘cemitérios romanos’ são símbolo de resistência e de coragem das primeiras comunidades cristãs e, por isso, locais de visita e peregrinação obrigatória para quem vem a Roma. Ao lado das Catacumbas de S. Sebastião está a 3ª Igreja do ‘Giro’, dedicada a este santo que foi martirizado a golpe de flechas.

Percorrer a Via Appia Antiga é missão arriscada, porque ela é muito estreita e tem muitos carros a circular. Passamos junto à pequena Igreja do ‘Quo Vadis’ onde, segundo a tradição, S. Pedro foi questionado sobre as razões da fuga de Roma e voltou atrás, sendo martirizado com outros cristãos. Chegamos à quarta Igreja, a de S. João de Latrão, catedral da Diocese de Roma

O calor apertava, os músculos doíam e eram 14h e tal quando parámos para agarrar uns bocados de pizza e avançar para a basílica da Santa Cruz de Jerusalém. Ali estão, segundo a tradição, bocados da cruz onde Cristo morreu, bem como outras relíquias ligadas á Paixão. Paramos, rezamos e continuamos o caminho que nos obrigou a passar no grande cemitério de Roma ‘Al Verano’. Ali ao lado está a sexta basílica, dedicada ao mártir S. Lourenço que morreu queimado, torturado pelo fogo.

A última etapa levou-nos até Santa Maria Maior, basílica que tem o ícone da Salvadora do povo Romano. Antes e depois de cada viagem pastoral, os Papas vêm ali confiar-se à Mãe. Nós, como peregrinos, também o fizemos.

 

Fé à prova de tudo…

 

Mas voltemos à história. No longínquo século XVI, só os ricos podiam peregrinar. S. Filipe de Néri pensou num esquema que permitisse aos pobres fazer esta experiência de fé e de encontro com os outros cristãos. Naquele tempo, os pobres não tinham liberdade, não tinham dinheiro, trabalhavam noite e dia sem parar. Ora, S. Filipe, ao propor dois dias de peregrinação para os mais pobres, ‘obrigava’ os senhores e dar dois dias de férias aos seus trabalhadores, por razões de fé. Além de disso, Roma era uma cidade de maus ares, de tão poluída que estava. Esta peregrinação às raízes da Fé cristã, permitia aos mais pobres passear pelo campo, descansar, rezar e confraternizar. Os senhores sentiam-se ainda obrigados a dar alimentos para os picnics que se faziam durante esta ‘peregrinação ecológica’ que se tornou uma tradição muito querida dos romanos, abrangida pela indulgência plenária. Os tempos mudaram, mas estes caminhos continuam cheios de peregrinos.

Sete é um número de perfeição. Visitar, a pé, estas sete basílicas em tempo de Quaresma deve traduzir a vontade dos peregrinos serem mais santos, inspirados por Maria, Pedro, Paulo, João Baptista, João Evangelista, Lourenço e Sebastião…e todos os outros cujas vidas são lembradas à passagem pelas catacumbas, esse enorme símbolo de uma fé à prova de tudo.

 

Tony Neves

Missionário espiritano, em Roma

 

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