Vamos recuperar as “alminhas”! ou o convite a sermos “bons samaritanos” dos mortos

A propósito da tradição de em Novembro recordarmos os nossos mortos, permitam-me que volte a dar à luz um artigo que publiquei em Março passado, com ligeiras modificações, aproveitando a feliz Mensagem do Senhor Dom Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga (30.Outubro.2020). Escrevi, então:

 

… «Portugal é o único país que, na sequência do Concílio de Trento (1545-1563), criou os monumentos que são marcas profundas da religiosidade popular.», são as nossas «Alminhas», cheias de piedade popular pelos que já partiram e para que não sejam esquecidos. «São «representações populares das almas do Purgatório que suplicam orações e esmolas».

   “As alminhas são uma criação genuinamente portuguesa e não há sinais de haver este tipo de representação das almas do Purgatório, pedindo para os vivos se lembrarem delas para poderem purificar e “subir” até ao Céu, em mais lado nenhum do mundo a não ser em Portugal”, afirma António Matias Coelho, professor de História, investigador de manifestações da cultura religiosa e popular“ (Fonte: Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura).

Num tempo de apostasia silenciosa (S. João Paulo II, in “Ecclesia in Europa”, nº 9) e de indiferença religiosa, face à perda de memória colectiva, vamos reavivar este modo de piedade popular tão cara aos nossos antepassados, sobretudo em novas urbanizações onde qualquer sinal religioso está ausente?

Temos de fazer frente, com determinação, coragem e constância, à “tentativa de fazer prevalecer uma antropologia sem Deus e sem Cristo” (idem). Assim, ajudaremos a marcar a sociedade com a nossa mais pura e genuína alma cristã portuguesa, lembrando aos nossos concidadãos que a vida não acaba com a morte, mas que apenas se transforma (Prefácio III dos Defuntos).

As nossas “Alminhas” são genuinamente um “produto” da piedade popular que banhava a cultura portuguesa. Fazem parte da piedade popular bem portuguesa. Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal “ECCLESIA IN EUROPA”, S. João Paulo II Magno, referindo- se à piedade popular, escreveu. «Todas estas formas devem ser objecto duma cuidadosa pastoral de promoção e renovamento, ajudando a desenvolver tudo o que nelas seja genuína expressão da sabedoria do povo de Deus.» (nº 79)

É um meio simples e modesto, de colocar, onde for possível e conveniente, alguns destes «padrões» da nossa Fé e, deste modo, incentivar a oração pelas almas mais abandonadas e esquecidas. Para tal, deveríamos usar representações tradicionais com o habitual convite:

«Ó VÓS QUE IDES PASSANDO,

LEMBRAI-VOS DE NÓS,

QUE ESTAMOS PENANDO» – P. N. + A. M.

Não se trata de um revivalismo folclórico! Não será nem pode ser. Nem de um saudosismo de velhos decrépitos. Não! Nem de arqueologia de amantes de escavações de velharias para exposição posterior sem “mexer” com a nossa identidade.

Hoje, as nossas cidades e vilas são espaços onde não há qualquer sinal que nos recorde a nossa raiz cristã (tirando o casco antigo não habitado), sobretudo nas novas urbanizações que crescem desmesuradamente e sem alma, dormitórios incaracterísticos. Vejamos, quando passamos por uma destas novas ruas, onde está um, um único, sinal do cristianismo que nos fez como povo? Nas novas urbanizações são raríssimos os nossos “Cruzeiros”. Já não vemos padres com o seu cabeção, nem religiosas com o seu hábito, que mostram a sua vocação sem medo nem vergonha, nem igrejas que tenham bem visível a marca do que são. Conseguiram (quem e porquê?) apagar todos os sinais exteriores do cristianismo. E se vemos brincos ou colares com alguma cruz, temos a sensação (eu tenho) de que não passam de adornos ou amuletos e não um símbolo da fé de quem o traz.

As «Alminhas» eram e deverão voltar a ser, motivo de interpelação e… incómodos sinais de que não se conseguirá apagar o cristianismo ou reduzi-lo a práticas para dentro dos templos para onde nos querem obrigar a viver a nossa fé.

Nas novas ruas, onde há cristãos, estes deveriam assumir a responsabilidade de erguer as nossas tradicionais e tão queridas “Alminhas” que nos recordam a vida eterna e nos convidam a rezar pelos falecidos, familiares ou não.

As “Alminhas” fazem parte das nossas raízes cristãs.

Este texto foi escrito em Março de 2020, como referi na introdução. Repesquei-o, pois em 30 de Outubro (2020), o Senhor Arcebispo de Braga, numa Mensagem a propósito dos “Fiéis Defuntos” e como ultrapassar as condicionantes da pandemia que nos vergasta, escreveu: «… Outrora foram-se construindo “alminhas” que hoje estão abandonadas ou aproveitadas para fins não convenientes. Muitas vezes, são um verdadeiro escândalo social onde os círios se amontoam, as flores se acumulam e o fumo enegrece. Passar por elas deveria convidar ao silêncio e a elevar uma prece por quem já partiu. Não é esta uma oportunidade para as recuperar, restituindo o significado que sempre tiveram: o convite à oração?».

Sem dúvida! É a altura de, com tanta coisa a criar de novo e a restaurar que nos ajude a viver uma vida mais humana e cristã e, neste caso, a agradecer aos que já partiram o tanto que nos deram e deixaram? Não é esta marca da nossa Fé um sinal do “bom samaritano” que cuida também dos mortos? E dos mortos abandonados pelos seus a quem, tão frequentemente tanto deram.  Ao sermos como o “bom samaritano”, mais do que lavar jazigos e colocar belas flores – que eles nunca poderão agradecer! – seria bem mais útil que rezássemos por suas almas, as “Benditas almas do Purgatório” como deixou de se dizer!

Carlos Aguiar Gomes * Professor * Braga