Romaria dos cemitérios

Etimologicamente, “cemitério” quer dizer “lugar para dormir”, dormitório; “necrópole”, por seu lado, significa “cidade dos mortos”. Quem ali está sepultado (enterrado) morreu ou está a dormir? A diferença na resposta talvez possa residir na fé…
As romarias ao cemitério, tão afamadas nesta ocasião do ano, pretendem cultuar a morte ou celebrar a vida? O investimento (tempo, dinheiro, canseira) à volta da tumba que benefício carreia para os defuntos? Não será antes um paliativo (descarga de consciência, remendo, prática social) mais benéfico para os vivos?
1- VELAS E FLORES
Reza a estória que, um senhor, ao colocar as flores no túmulo de um familiar, viu um chinês a colocar um prato de arroz na campa ao lado da sua. Intrigado, perguntou-lhe:
– Desculpe o meu atrevimento, mas o senhor acha mesmo que o seu falecido virá comer esse arroz?
O chinês, olhando-o com serenidade, respondeu:
– Sim! Geralmente à mesma hora em que o seu vem cheirar as flores.
Eu continuo a pensar que “pratos de arroz” e “ramos de flores” vêm a calhar (agradam) quando estamos vivos, quando os podemos saborear e/ou cheirar. Levá-los ao cemitério nada acrescenta aos nossos defuntos. Talvez fosse mais humano e cristão (até maturidade espiritual) pegar no prato de arroz ou no ramo de flores e depositá-los, em nome dos nossos entes queridos, junto aos tantos sem-abrigos, mendigos e excluídos que nos rodeiam e acender “velas de esperança” na sua vida. Não faria melhor a todos, vivos e defuntos?
2- A SANTA MISSA
A respeito do lugar onde sepultar a sua mãe (Santa Mónica), conta Santo Agostinho: «Depois, [Santa Mónica] vendo-nos atónitos de tristeza, disse: “Sepultareis aqui a vossa mãe”. Eu estava calado e tentava conter as lágrimas. Meu irmão, porém, proferiu algumas palavras, mostrando a preferência de que ela não morresse em país estranho, mas na sua pátria. Ouvindo isto, fixou nele um olhar cheio de angústia, censurando-o por pensar assim e, olhando depois para mim, disse: “Repara no que ele diz”. E em seguida disse para ambos: “Sepultai este corpo em qualquer parte e não vos preocupeis com ele. Só vos peço que vos lembreis de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejais”.»
Nós – porque somos mais inteligentes, sabidos ou chico-espertos – preferimos fazer ao contrário: preocupamo-nos com o lugar onde os mortos estão sepultados e fugimos da Missa (desprezamos, arrenegamos), que é – só por acaso – o mais valioso presente que podemos ofertar aos nossos defuntos! «Uma flor, pelos nossos mortos, murcha; uma lágrima, pelos nossos mortos, seca; a oração pelos nossos mortos, Deus recebe-a em Suas mãos!». (Santo Agostinho)
3- RESSUSCITOU
Prefiro pensar e viver a morte a partir do Evangelho e da ressurreição: porque acredito na “ressurreição dos mortos e na vida eterna” não faz sentido cultuar o lugar dos mortos. Dá-me mais gozo (prazer, alegria, serenidade) tê-los presente na Eucaristia, ao lado do Vivente e dos vivos. Acredito que o que aconteceu com Jesus há de acontecer também connosco: «No primeiro dia da semana, ao amanhecer, foram ao sepulcro levando os aromas que tinham preparado. Encontraram a pedra removida do sepulcro e, ao entrarem, não encontraram o corpo do Senhor Jesus. E aconteceu que, estando elas perplexas com isto, eis que se lhes apresentaram dois homens em vestes resplandecentes. Estando elas cheias de medo, e com o rosto inclinado para a terra, eles disseram-lhes: «Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo? Não está aqui; ressuscitou.» (Lc 24, 1-8)
P. António Magalhães Sousa  *  Braga