Nas famílias é normal que haja engenheiros, médicos, professores, agricultores, etc… mas um sacerdote missionário não é assim tão costume.
Contudo há famílias que têm a sorte e a graça (pelo menos para a maioria) de terem no seu seio um sacerdote ou uma religiosa.
Está claro que hoje ser padre e missionário não está na moda! Muito menos nos quadros educativos das Famílias de hoje.
Da minha experiência de vida sempre foi para mim normalíssimo ter familiares, quer da parte do pai quer da parte da mãe, sacerdotes missionários e irmãs religiosas. Foram para mim e para o meu crescimento dois sacerdotes missionários como referência. Um deles até é meu Padrinho de Baptismo, o Pe. Agostinho Brígido que hoje contempla a bonita idade de 87 anos.
No seio dos meus Pais também foi comum e habitual os contactos directos com os missionários/as em Angola onde eu tive a graça e a bênção de ter nascido no bonito e complicado ano de 1974.
Depois vieram os fervores abrilistas e independentistas que nos trouxeram para Portugal sem quase nada. Ou melhor, com o essencial, os meus queridos pais, eu já bebé e a minha mana, Carla já no seio materno da minha mãe.
Com apenas 10 anos de idade entrei no Seminário dos Missionários do Espírito Santo em Godim – Peso da Régua onde o meu tio e padrinho era director. Foi o início duma caminhada que me levou, passados 15 anos de formação ao sacerdócio.
Se inicialmente para mim não estava claro ser sacerdote missionário, no fim do meu 12º ano, já se aclarava dentro de mim este desejo forte de ser missionário em terras mais longes com a vontade de partir em Missão. E porquê? Porque, quando vinham os missionários de férias, sobretudo de Angola, Cabo Verde e Guiné, os seus testemunhos de vida, de sofrimento, mas de muita alegria mexiam comigo e com o meu coração. Como ficava contente e deliciado a ouvir as suas histórias e aventuras!
Fiz todo o meu percurso académico e Universitário pelas cidades do Porto e de Lisboa, e eis que em 1998, com tudo terminado, realizei o meu primeiro sonho de partir em Missão. Coube-me em grande sorte, mais que o Euromilhões, ser enviado para terras de Cabo Verde onde vivi os anos mais bonitos e belos da minha vida. Foram 14 anos de missão junto deste povo que me acolheu como irmão e que me ensinou a enfrentar as dificuldades e desafios da vida. Aí aprendi a ser um homem experimentado pela dureza da vida. Aprendi a viver sem luz e sem água. Mas acima de tudo esta experiência me ensinou a saber viver com o essencial. A não estar agarrado às coisas materiais e vivendo dependentes delas. Fiz de tudo um pouco. Desde professor, constructor, mestre de obras e claro está tudo o que era serviço de sacerdote. Baptizei mais de 5 mil crianças. Casei mais de 100 jovens. E confessei mais de 30 mil pessoas. Vivi no meio dos jovens que me cativaram com os seus sorrisos e dinamismos. Visitei os doentes e velhinhos andando Kms e Kms a pé. Aprendi a ter mais paciência com a vida. A ser mais sereno perante as dificuldades e a viver o dia a dia sem preocupações de futuro. A cada dia a sua coisa, já dizia Jesus Cristo.
Enfim, foram anos intensivos onde ganhei uma grande família que foi o povo cabo-verdiano. Hoje tenho todo um povo a rezar por mim e a gostar deste missionário que continua a ser um cidadão do mundo. Tenho o orgulho de ter tido alunos que hoje são grandes homens e mulheres na sociedade de Cabo Verde.
Depois de 14 anos intensivos seguiram-se outros 6 por terras de Portugal andando acima e abaixo a anunciar a Boa Nova a uma Europa e a um Portugal decaído e sem fé. Custou-me imenso a mudança de Cabo Verde para Portugal. De vir para a minha própria terra e perceber que as igrejas estão vazias de pessoas. Não há crianças. Não há esperança. Tudo se queixa de tudo. Sem ânimo e sem alegria. Com pessoas com caras azedas e de vinagre. Pessoas que passam nas ruas e não são capazes de olhar para o lado e dizer bom dia. Gente dependente da tecnologia e da grande praga que é o telemóvel e a internet. Enfim! Rapidamente me dei conta que estava fora da minha praia. Na verdade, quando o foco é o material e as coisas deste mundo, ninguém aguenta, muito menos, ninguém consegue ser verdadeiramente feliz.
Redescobri o segredo da Felicidade em, 2018, quando vim com um grupo de voluntários até São Tomé e Príncipe. Fantástico! Voltar a ver rostos sorridentes e cativantes mesmo vivendo com muita pobreza e sem quase nada. Mas com o essencial. O viver o dia a dia com muita luta e esperança, confiantes de que cada dia, trará o que é preciso.
Apaixonei-me por este povo de São Tomé que voltei cá em 2019, 2020 e onde estou actualmente, há quase um ano. Assusta-me voltar a Portugal. Tenho medo de regressar ao meu país que tem tudo, mas que não tem nada. Onde se come e bebe bem melhor, mas que falta o essencial: a alegria e o encanto da vida.
Em São Tomé e Príncipe vive-se o dia a dia com muita calma e paz de espírito. Aqui já bem bastam as dificuldades diárias para nos preocuparmos. Aprendi a arte de simplificar as coisas da vida. A viver do essencial. De saudar todas as pessoas com quem nos cruzamos. Um olá dito com muita alegria e sorrisos. Quando por essas bandas, as pessoas parecem que carregam umas “trombas” de sexta-feira. Muitos gostam de complicar as suas vidas e as dos outros. Parece que têm prazer de criar problemas para se ocuparem!
Ainda durante este ano de 2021, vou viver outra aventura missionária. Foi-me pedido pelo Bispo local de ir até à ilha de Príncipe para viver lá com aquele povo e ser o pastor daquela gente. A ilha do Príncipe é um encanto e com certeza que o povo é muito melhor.
Percebem porque é que sou um sacerdote missionário feliz e contente? Claro está que nem tudo na vida são rosas. Quantos espinhos tenho experimentado! Mas as alegrias são bem maiores e a consciência de ter uma vida alegre e feliz vale muito mais que o vil metal ou as seduções do mundo de hoje. Claro que está nem todos percebem isto!
Obrigado.
P. Nuno Miguel Rodrigues * Missionário espiritano * São Tomé e Príncipe