Novidades antigas: Domenico Scarlatti em Lisboa

Domenico Scarlatti (1685-1757) nasceu em Nápoles e muito jovem, em 1701, já era organista e compositor na capela real da cidade.

 

 

O pai Alessandro, seu primeiro mestre, leva-o para Roma e oferece-lhe formação em Veneza. Em 1708 era já disputado pelas famílias romanas como mestre capela e fixou-se na capela romana da exilada rainha Maria Casimira da Polónia, entre 1708 e 1714. Executava óperas e fazia cantatas e oratórios. Chegou a maestro da capela Giulia do Vaticano e compôs música sacra (1715-1719).

 

Não pude consultar o trabalho do musicólogo Gerhard Doderer (Aspectos novos em torno da estadia de Domenico Scarlatti na corte de D. João V (1719-1727). Lisboa, 1991, pp. 147-174). Mas Lisboa será sua morada, graças à megalomania joanina de imitar Roma em tudo o que é aparência litúrgica. O núncio informa, a 23 de novembro de 1719, que o Rei aguarda “com impaciência a chegada do Senhor Scarlatti que deve ser o chefe e diretor de toda a música da Patriarcal”. Já tinham chegado músicos em setembro de 1719 para um coro “ao uso de Itália” (AAV, ANL 83, f. 214) e cantores da capela pontifícia, pagos a 60 escudos ao mês (f. 223). Em outubro de 1719 foram a Odivelas cantar e o Rei estava presente sem ser visto, segundo informa o núncio Vincenzo Bichi (f. 225v). Os músicos Mossi e Floriano Flori são referidos em novembro de 1719 (f. 262). Floriano Flori ainda em 1726 continuava ativo (ANL 83, f. 305v).

 

Scarlatti, assim, chegou a Lisboa, em finais de 1719, ao serviço da corte de D. João V, de forma algo intermitente (interrompida por viagens a Roma e Paris, nomeadamente).

 

As informações do núncio são preciosas porque pouco se sabe da obra original de Scarlatti, mas conhecem-se muitas cópias. Em julho de 1720 foi executada uma missa dedicada a São João Batista em italiano (ANL 75, f. 405). Em agosto uma cantata a Santa Ana, com três sopranos e um tenor, todos italianos e dos melhores da igreja patriarcal (f. 425). Reforços chegam de Nápoles: um sacerdote contralto e outro tenor (20-08-1720, ANL 75, f. 428). Em janeiro de 1721 foi executada cantata perante o rei e nobreza, gozando de “aplauso geral” (ANL 75, f. 530). Em junho de 1721, na Academia da Rainha, ouve-se música de Scarlatti (ANL 76, f. 79). Em 23 de junho de 1722 foi feito, em casa de Scarlatti, o ensaio de uma cantata a sete vozes, para ser executada na tarde do dia de S. João, no palácio real (ANL 78, f. 173v).

 

Outras notícias apurei: quatro músicos italianos queixam-se, pois abriu vaga na Capela Pontifícia e entraram outros mais novos e não se cumpriu uma promessa (ANL 79, ff. 88-89 – 09-03-1723). O núncio Giuseppe Firrao falou com Domenico Scarlatti para esclarecer esse assunto (ff. 100-100v). Em julho Anzano Bernini e Guiseppe Cocuccioni tomaram a decisão de regressar a Roma (ff. 228-228v – 06-07-1723).

 

Scarlatti, em janeiro de 1727, parte para Roma, por falta de saúde (ANL 84, f. 32). Em 1728 – pois era mestre dos infantes – acompanha a infanta Maria Bárbara, que casou com Fernando das Astúrias, e vai para Madrid. Seria, a partir de 1746, o maestro dos Reis. Deixou, em vida, apenas publicada uma obra, dedicada a D. João V: Essercizi per gravicembalo (1738): 30 sonate e la Fuga del gatto. As suas mais de quinhentas sonatas testemunham a extraordinária capacidade de composição e de execução que fizeram dele um dos mais virtuosos cravistas do barroco tardio. Scarlatti foi o criador da técnica moderna dos instrumentos de teclado e a sua influência prolonga-se até Liszt. Serviu de fonte de inspiração a Chopin, Brahms e Bartok, por exemplo.

 

Em conclusão, apenas enumero algumas referências a músicos italianos nos relatórios dos núncios: maestro Giovanni Bononcini (1670-1747) compôs a missa que se cantará na Capela Real em junho de 1734 (ANL 89, f. 463v- 08-06-1734); mostram-se ativos os músicos Carlino Claretti (ANL 89, f. 472, 15-06-1734, velho com incêndio em casa), Antonio Tedeschi, napolitano (ANL 90, f. 375v 20-12-1735) e Luigi Biancardi (ANL 99, f. 130-130v – 19-05-1744). Em 1734 morre Momo, maestro do Loreto, com exéquias da Capela Real (ANL 90, f. 136, 31.05.1735). Por falta de pagamento os músicos de Itália deixarão o empresário Pacchetti (ANL 93, ff. 142-142v -15-04-1738). Em junho de 1755, esteve em cena a ópera Clemenza di Tito de Pietro Metastasio, com música do bolonhês Antonio Maria Mazzoni (1717-1785) e atuação de Piziello (ANL 110, f. 328 – 10-6-1755). O núncio despede-se, em 1756, do célebre músico napolitano Majorano detto Caffariello (1710-1783) (ANL 111, f. 32 – 27-01-1756). O cardeal Acciaiuoli escreve de Badajoz ao S. Estado, em 1760, e refere Giovanni Battista Braci di Fabbriano, músico contralto da Patriarcal (ANL 117, ff. 480-485v – 5-9-1760).

 

Esta coleção de nomes serve para testemunhar como o gosto italiano de D. João V ganhou raízes e permaneceu. Em vez de criar escola, investia na importação. Pode servir para historiadores da música confirmarem presenças na capital.

 

D. Carlos Moreira Azevedo * bispo e delegado do Conselho Pontifício da Cultura  *  Vaticano

Texto originalmente publicado na VP e gentilmente cedido pelo autor. 

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