O Pai não renega nenhum dos seus filhos
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Olá Francisco, gosto de ti mas estás a fazer-me comichão!
O Papa Francisco é uma graça de Deus! (Só percebe isto quem tem experiência religiosa! pelo que não vale a pena admitir que estamos a fazer piada com “coisas da religião”). E lembro que logo no início das funções disse que os seus padres e bispos “deviam cheirar a ovelhas”, colocando na linha do serviço comunitário o prisma da sua acção, e, ao contrário, distanciar-se da igreja do Poder.
Nesta altura lembrei-me do cardeal Burke, ali nos Estados Unidos, que além de comichão terá experimentado uma digníssima e reverendíssima convulsão, pois essa coisa do “cheirar” rompe com a clareza do raciocínio lógico com muito trabalho construído pelo tal francês Descartes… E que jeito deu este antigo aluno jesuíta, pois esclareceu a quem governa que Deus (ratio) é ordem, e portanto, em coisa de Poder nada como ter o incenso do senhor bispo que, como se sabe, exerce em comunhão espiritual com o homem de Roma, mas que, no seu território, manda ele. Tudo claro.
Cardeal Burke de veste coral e capa magna, em Gricigliano (Itália), na capela do Seminário Internacional do Instituto Cristo Rei e Sumo Sacerdote, cujos membros vemos entre os cónegos na nave da igreja e as religiosas no coro. A foto é da Semana das Ordenações de 2011, para a qual sempre o Eminentíssimo Cardeal é convidado a dar Sagradas Ordens.
A capa magna não é veste litúrgica, mas faz parte da veste coral dos abades, bispos e cardeais. Ela ainda é prevista no atual Cerimonial dos Bispos, é de direito do bispo diocesano (tal como o báculo e o trono, tendo que bispo estranho pedir autorização para usar em diocese que não a sua) e pode ser usada nas maiores solenidades em razão da realeza de Cristo, de quem o Bispo é o maior representante na Liturgia. © Imagem: ICRS
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Mas voltando ao Francisco que é o que interessa, importa dizer que a Santa Sé publicou para consulta o documento preparatório do Sínodo da Sinodalidade que começa em Outubro. Católicos de todo o mundo estão convidados a dar a sua opinião sobre a Igreja que querem.
Este documento preparatório, aborda questões sociais como o acolhimento a membros da comunidade LGBTI+, a relação com os divorciados, a poligamia e o celibato dos padres.
Enquanto prepara novas janelas de humanidade para a Igreja que dirige, Francisco tem vindo a remodelar o consistório cardinalício de modo a preparar a sua sucessão. E bem precisa, dado que as suas últimas iniciativas colocam em causa a visão eclesial de muita gente, disponível para dar continuidade à Igreja de Poder que sobretudo depois do século XV se estruturou na Europa e sendo por isso modelo de “evangelização” em todo o mundo.
Estamos ainda a pagar o preço disso!
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VER: CARDEAIS PRÓXIMOS DE FRANCISCO:https://religiolook.pt/noticias/cardeais-proximos-de-francisco-em-condicoes-de-eleger-o-proximo-papa/
São pois “insondáveis os desígnios de Deus” e a minha comichão vai no sentido contrário na procura de encontrar a humanidade da coisa embora na ansiedade de perceber se o sucesso será possível: uma igreja de serviço, e “onde o Pai não renega nenhum dos seus filhos”.
LGTB os nossos irmãos
A atenção de Francisco à comunidade gay, a compreensão da reivindicação à afirmação pessoal de todos e a necessidade vital de existir em liberdade, é uma constante no percurso do papa argentino peregrino nos bairros de lata de Buenos Aires, enquanto padre jesuíta.
Francisco, agora no Vaticano e quase a sair dele, dá indicações de uma relativa pressa em deixar a sua marca na “atenção do Papa” a quem realmente interessa – todas as pessoas sem excluir ninguém; e estabelecendo que é na dimensão comunitária do serviço que nos salvamos: “ninguém se salva sozinho”.
Ao abraçar (porque quer) as preocupações das pessoas LGTB, sabe Francisco que está a enfrentar os tumultos do inferno da memória, com séculos de preconceito, podendo ser acusado de pôr em causa (vejam bem!) os alicerces da fé…
Com esta opção, está também Francisco a dizer – outra comichão…- que a moral não é fundamento da fé, podendo ser dela sinal, aliás como deveria sempre ser. O que interessa para o Papa é considerarmos que “Deus é Pai, de proximidade, misericórdia e ternura” e que “não renega nenhum dos filhos”. E que sobretudo se manifesta no almoço de cada quinta-feira e para o qual ninguém é excluído desde que disponível para à volta de mesa, partir o pão e beber o vinho!
Non est consensus
A aceitação pública da imagem do Papa Francisco é muito positiva em todo o mundo, o mesmo não acontece na Igreja Católica. Mas devemos esperar que o Papa seja uma figura consensual? Eu agradeço que não seja, dado que tem a missão de interpretar “os sinais dos tempos” e por isso a difícil tarefa de indicar o “registo de interpretação” da Igreja perante os acontecimentos desta história.
Como sabemos, em Jerusalém, foi necessário entrar no Templo e dele expulsar os chamados “vendilhões”. Esta tensão permanece, uma prova do difícil papel de Francisco quando nos explicar que no abraço de Pai todos cabem.
por Arnaldo Meireles