A conselheira do Papa Francisco

María Luisa Berzosa, uma das pessoas de confiança de Francisco,
fala o quanto o pontífice anseia por uma igreja mais ‘relacional’ e menos ‘institucional’ .
Conhece Francisco há anos. Após participar do Sínodo dos jovens (2018),
tornou-se consultora permanente do Sínodo dos bispos.

Após as missas com o papa, é aquela confusão de sempre. As equipes de serviço desmontam as cadeiras, as pessoas se cumprimentam, e todos tentam sair pela porta principal. Nem parece que, minutos atrás, aquele clima solene pairava pelos ares. E eu estava na Basílica de São Pedro, no último domingo (10), após participar da missa de abertura do sínodo sobre a sinodalidade, colhendo algumas entrevistas.

E foi em meio a essa correria toda que encontrei a Irmã María Luisa Berzosa González, cujo sorriso se destacou no meio da multidão. E nessas horas vemos que o papa Francisco sabe escolher muito bem seus amigos. Uma das religiosas mais gentis e simpáticas que já entrevistei. Que fique registrado.

A abordei em espanhol: “Podemos hacer una entrevista de 5 minutos?”. E ela respondeu prontamente: “Claro que sí!”.

Os guardas do Vaticano pediam que deixássemos a basílica o mais rápido possível. Então conversamos na saída, em pé, sem muitas formalidades. Parecia que eu a conhecia há anos. E a conversa foi fluindo.

Percebi que quando o papa fala de uma Igreja da ternura, não é só uma frase de impacto. Quem ele traz para perto, é gente como a gente, e gosta de gente. Eu estava diante de uma religiosa missionária, da Congregación Hijas de Jesus, que fundou sucursais do movimento Fé y alegria, focado na educação popular, integral e na promoção social, na Argentina e na Itália. Ou seja, conversei com alguém que levou esperança às periferias existenciais que papa Francisco tanto fala. É uma mulher da pastoral concreta e com uma grande capacidade de liderança.

Irmã Berzosa, que é natural da Espanha, faz história no atual pontificado. Ela, juntamente com outras 3 mulheres (duas religiosas e uma leiga), integra o time de consultoras permanentes do sínodo dos bispos. Repito: dos bispos!. Quem imaginaria que um dia isso poderia acontecer? Acredito que nem ela, nos seus melhores sonhos. Na época, ela, com 75 anos, foi pega de surpresa com a nomeação, que aconteceu em 2019.

E, claro, ela também participa ativamente do sínodo recém-iniciado, pois ocupa um cargo que exige sua colaboração ativa. Na entrevista, falamos sobre a assembleia e sobre sua visão de sinodalidade, enquanto agente de uma igreja em saída, o modelo eclesial por excelência do pontificado de Francisco.

Dom total: O que é a sinodalidade?

María Luisa Berzosa: “Gosto da etimologia da própria palavra. No grego, significa caminhar juntos. E incluo nesse caminhar juntos todo o povo de Deus, todos os carismas, todas as vocações, todas as pessoas que estão unidas pelo batismo, em meio à essa multiplicidade que observamos na sociedade e na Igreja, como povo de Deus em caminho. O encontro, o caminhar juntos, a escuta. Isso é o sínodo da sinodalidade.

Dom Total: Uma continuação do Vaticano II?

Sim, eu diria que é uma retomada da raiz do Concílio Vaticano II. Já se falou de igreja enquanto povo de Deus, enquanto comunidade das comunidades. A grande mudança que ocorreu foi a consciência do ser igreja. De uma igreja hierárquica para uma Igreja circular, de igualdade, de relações mútuas, etc. E como os acontecimentos na história vão se tornando mais obscuros ou mais iluminados, às vezes precisamos rever o que ficou obscuro para irmos adiante. João XXIIII, na época, falou de ‘primavera da Igreja’. E podemos dizer que estamos entrando em outra primavera. É sempre necessário mudar os ares, como ele dizia: “abrir as portas e as janelas”. Então estamos neste momento novamente: de renovar, de abrir.

Dom Total: A senhora que conhece bem o papa Francisco, quais mudanças concretas ele traz em mente?

María Luisa Berzosa: Na última entrevista que concedeu à COPE, da Espanha, Francisco disse várias vezes que estava fazendo o que lhe tinham encomendado. Antes do conclave, quando os cardeais se reuniram, fizeram o mesmo que as congregações religiosas fazem, em seus capítulos gerais, ao colocarem nas mãos dos capitulares o estado da situação, seja ela econômica, conjuntural; avaliando os pontos fortes, fracos, as obras, etc. Em seguida, vem a eleição da equipe de governo, depois de avaliarem qual perfil melhor se adequa àquele momento histórico. E isso se faz no conclave, quando ocorrem as congregações prévias, anteriores ao conclave. A Igreja está assim, precisamos disso, daquilo, e avaliam as reformas necessárias. E naquele contexto também aconteceu a renúncia de Bento XVI. De repente, olharam para Francisco, e disseram: “É você! Você que deve levar adiante essa reforma”. Acho que ele tem em mente mais coisas do que ele pode fazer, porque os acontecimentos, a própria história marcam o ritmo da coisa. Às vezes, a própria história tem um ritmo, e ele tem outro. Às vezes, ele parece ter pressa, mas não é possível agir daquela forma naquele momento específico. Mas ele tem uma profunda consciência, como tantos bispos e como muitos de nós, que fazemos parte da Igreja, da deterioração provocada pelos abusos, dos pecados da Igreja. E isso precisa ser reformado. Ele começou criando uma comissão para a reforma da cúria. As suas encíclicas também acabam seguindo uma linha comum, que é a da mudança, a de não ficar no “sempre foi feito assim e basta”, como ele tem dito no sínodo. Portanto, Francisco tem em mente o que foi encomendado a ele: uma Igreja dinâmica, que caminha, que não se limita a repetir coisas, mas que precisa adequar-se, como dizia o Vaticano II, que esteja disposta a fazer o famoso “aggiornamento”.

Dom total: Sendo assim, na sua opinião, podemos considerar Francisco um dos grandes reformadores da história da Igreja?

Francisco é, sim, um grande reformador. E digo mais: seus documentos são a expressão dessa postura. Na Evangelii Gaudium, Laudato Si’, Fratelli Tutti vemos um “substrato” dessa reforma.

Por Mirticeli Medeiros

Dom Total –  https://domtotal.com/noticia/1544453/2021/10/conselheira-do-papa-fala-sobre-o-sinodo/

Foto – Angelus News