Ao ver-nos reflectidos no espelho da nossa limitação, somos incontornavelmente confrontados com o tanto que nos falta – enquanto indivíduos e espécie – e a tarefa da recriação de um outro mundo se nos afigura e afirma como urgente. Esta consciência da nossa incompletude impulsiona o incessante movimento de busca que resume toda a acção humana, na expressão profunda do desejo.
*
Podemos ser orientados e movidos por várias forças, bem distintas entre si; dentre todas elas permitir-me-ia distinguir três principais: o medo, a raiva e a esperança.
Somos muitas vezes alérgicos à ideia de esperança, simplesmente porque nos deixamos convencer de que ela é mera ilusão ou fuga do mundo. Acreditamos que ela é tão-somente uma crença emocional na possibilidade de resultados positivos relacionados com eventos e circunstâncias da vida.
*
Mas a esperança não é uma triste consolação para enganar a dor, nem sequer é projetar-se num futuro hipotético, habitualmente pouco plausível: ela é uma atitude que faz viver a vida aqui e agora num estado segundo, que permite ver o invisível no visível e descobrir uma dimensão diversa, dentro e para lá da realidade comezinha que nos é apresentada como patente e unívoca.
Sobretudo em tempos de crise, insegurança e incerteza, dispara a corrida a pôr a segurança em coisas ou pessoas, em crenças ou rituais quase mágicos – ainda que de roupagem pseudo-científica ou pseudo-psicológica – e acumula-se aquilo que parece sólido e certo como garantia de sucesso e futuro.
*
Mas, na verdade, no mais profundo do nosso coração, sabemos bem que tudo isso de nada serve, simplesmente porque nos aprisiona no egoísmo e na autossuficiência, descaracterizando a marca de humanidade que tanto almejamos.
A vida em abundância à qual todos aspiramos é a vida da esperança, sem a qual tudo seria então feio e insuperável, já que marcado pelo evitamento ou a vingança ou o desespero.
*
A esperança pode marcar o ritmo dos nossos dias, se for fundada no coração da humanidade, que bebe das fontes da eternidade para onde se orienta.
A esperança é garantia de vida plena, porque nos faz levantar os olhos e ver mais alto, recusando todo o fatalismo e condenação. Ela requer muitas qualidades de força para se fazer presente: uma delas é a perseverança, para poder acreditar que algo é possível mesmo quando há indicações do contrário; outra delas é a confiança, que nos permite caminhar com serenidade no meio das provações.
*
Perante a indiferença de um mundo fechado, encerrado pelas nossas defesas, medos e falsas seguranças, a esperança de um mundo aberto, renovado pela plenitude do amor humano, permite acolher as questões amplas, alargar a roda das nossas relações e visões tacanhas do mundo, comprometer-se com a construção da paz, deixar o coração pulsar por tudo quanto é invisível aos olhos.
Esperar é preparar a vida como se o que se espera e deseja nunca tivesse acontecido, como se fosse sempre a primeira vez, olhando a vida de frente e dando-lhe sentido.
E o caminho que nos leva à esperança é o amor concreto, simples, presente, gratuito. Ao dar lugar à esperança, deixamos que ela sustente os nossos passos e dê sentido a todos os nossos caminhos e descaminhos.
*

Por Horácio Lopes