Jesus nasce como um nómada

NÓS SOMOS NOMADAS DA MISSÃO

«Naqueles dias …da casa e da descendência de David…»
Assim começa o anúncio da Boa Nova do nascimento de Jesus, no evangelho de Lucas (2,1-14) proclamado na noite de Natal. Realmente, esta descrição, entre a Síria, Galileia, Nazaré e Belém, mais parece uma lição de geografia. Quanto ao Imperador Augusto, Quirinus e a descendência de David, assemelha-se a mais uma aula de história.

Ao início podemos perguntar-nos, onde cabe Deus nisto tudo, qual é o seu lugar? Justamente, na noite de Natal, Deus entra na história e na geografia. Nesta noite Deus entra na história dos homens. Deus nasce homem, como todos os recém-nascidos, e nasce num momento da história do mundo e num lugar
concreto da terra.

Como qualquer um de nós, Jesus, Deus feito homem, é natural de um lugar e de uma época. Sem o saber
e sem o querer também, o Imperador Augusto e o governador Quirinus acabam por atestar no evangelho
de Lucas que Deus entrou na história dos homens. E logo de seguida, entrando na história dos homens,
Deus embarca nos acontecimentos humanos, no fluxo da atualidade (o êxodo provocado pelo
recenseamento promulgado pelo imperador).

Todo o mundo se põe a caminho, pelas estradas e montanhas, para se inscrever no seu lugar de
nascimento. Jesus ainda não nasceu e já pertence a um povo do êxodo. Desde antes do seu nascimento,
ele assume a vocação do seu povo que, desde Abraão e Moisés, é o povo da caminhada na fé, o povo de
peregrinos do coração, o povo dos caminhantes de Deus.

No mesmo instante todos retomam a sua condição de nómadas, como eram antigamente os seus
antepassados no deserto. Deus está lá no meio deles, na longa caminhada, a fadiga e o pó deste grande
êxodo. Deus está lá, à espera de nascer, e é no meio deste êxodo que Jesus vai nascer.

Jesus nasce como um nómada, como um filho de Abraão, como um filho de Moisés. Jesus nasce como
um imigrante. Jesus nasce como um pobre. Deus não escolheu nascer na glória, no poder, nas honrarias,
mas menino totalmente dependente. Nada é mais frágil, mais novo que um recém-nascido, uma criança,
porque com Deus, é sempre o momento de nascer, e nunca é demasiado tarde para começar a esperar.

4/ Que deslocações e interpelações para nós hoje seus discípulos?
Neste tempo que vivemos, embora ainda limitados pela COVID, este “nomadismo” físico, psicológico e
até espiritual deixa marcas nas nossas relações pessoais e nas nossas comunidades humanas e religiosas.
Deixar-se interpelar não é errado, é salutar. Não temos o monopólio da verdade, nem das estratégias
pastorais, podemos sempre aprender, mudar. Mas deixar-se interpelar tem que ser sempre sob o signo da
esperança: o que se segue será sempre diferente, e se possível, melhor que o anterior.

Deixar-se interpelar é estar atentos aos significados, por vezes escondidos dos interesses “profanos” : o sucesso profissional ; a valorização do individual ; a autonomia pessoal ; a liberdade de movimentos e responsabilidades ; a precariedade de compromissos a médio ou longo prazo ; o endeusamento do bem estar e da saúde, as relações interpessoais e comunicacionais ; os direitos humanos ; a solidariedade e voluntariado ; as experiências momentâneas ; etc… daqui terá que nascer ou teremos que fazer nascer a abertura ao absoluto.

Deixar-se interpelar é não se deixar asfixiar pelo peso das responsabilidades pastorais, mas guardar e
cultivar os contactos e relações naturais de proximidade com a gente.

Deixar-se interpelar é não cair no marasmo e pessimismo vocacional e missionário; é ousar, é acreditar;
e aproveitar todas as oportunidades e possibilidades que a sociedade, a comunidade, a Igreja nos dão
para “dar razões da nossa esperança”.

Deixar-se interpelar desinstalar-se das prerrogativas e “direitos” adquiridos; é, sem os perder,
desprender-se dos marcos de um passado nostálgico, que não te deixam avançar e viver em liberdade.
Deixar-se interpelar é, certamente, não ter medo, antes ousar construir uma pastoral renovada, uma
comunidade que vive de Jesus Cristo e o anuncia e testemunha.

Deixar-se interpelar é aceitar viver em continua mudança, agarrando-se ao essencial… Jesus Cristo.

Por Leonel Claro, Missionário Comboniano, em Sarh, no Chade

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